sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal

Hoje, é Natal...
As ruas enfeitadas brilham sobre a chuva na calçada, que reflecte as montras das lojas, abertas até mais tarde.
A padaria do bairro despachou a última fornada de pão quente, e o cheiro convida as pessoas que formam fila à porta a entrar em busca do último ingrediente do jantar que os espera.
Hoje, não vou de elevador. Utilizo as escadas, na subida até ao último andar do prédio.
O cheiro a bolos e canela brinca e mistura-se com o das refeições quentes no forno. Entre cada andar, o riso de crianças interrompe as minhas fantasias: ora sou morador num apartamento e vou receber os meus convidados à porta do prédio, levando-os para o conforto de casa, onde nos espera a minha mulher e os meus filhos, ora sou eu mesmo um convidado, a chegar a um andar onde o calor de uma família amiga me espera.
Qualquer dos casos me é estranho; e nunca vou saber o que nasce no peito numa situação destas; mas também não interessa...
É quase hora de jantar, os convidados estão a chegar, significa que está na minha hora.
Desço os degraus apressadamente, tão depressa quanto os meus joelhos trémulos permitem.
Não quero cruzar-me com nenhum dos moradores.
Entre o 3º e o 2º andares encontro um cartão novo - alguém comprou uma televisão... hoje vou dormir mais quente.
Feliz Natal...

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Adivinha

Usas-me ao pescoço,
Guardas-me no bolso...
Trocas-me por medo,
Choras-me em segredo...

Espero e tu não vens...
Sou a fé que já não tens

Anjo Negro

De escuro te vestes
Do escuro me olhas
De escuro acinzentas
A mais escura das horas

Anjo Negro, diz-me quem és tu
O cair da noite, põe-te a alma a nú
Anjo Negro, mostra-me quem és
Diz-me porque insistes em prender-me os pés...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Contra-relógio

Tortuoso, o conceito, do presente, do agora
O conforto do teu colo à distância de uma hora
Que não passa, que se estica, se transforma, e complica...

...A noção do dia de hoje, do presente, do agora
De quem tem guardada a dor, de ter a dor de deitar fora
Todo o tempo, passageiro, que se arrasta, não ligeiro...

...Ao encontro do conceito do presente, do agora
O conforto do teu colo tão distante, que demora
E por isso, me consome, mata a fome, quem outrora...

...Tinha dentro, do seu peito, o conceito de agora

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Face Oculta

Não cabe mais espaço entre nós
Eu fiquei sem nada para dizer
Quando, mesmo juntos, estamos sós
Pouco ou nada resta para fazer

Quando o cansaço é mais forte
E a falta de ar respira em mim
Prefiro tentar a minha sorte
Do que ser mais um assim-assim...

Quando a face oculta surge
E revela o monstro Solidão
Todo o tempo é escasso e urge
Para voltar a pôr os pés no chão

Ponderar cada momento
E viver à sombra de um "porquê?"
Eu rejeito o sentimento
Que me faz doer mas não se vê...

Eu sigo sem ti...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Nado Morto

O meu menino é de oiro
Minha princesa, de cristal
O meu bebé é feito
De papel vegetal

Nunca me abre os olhos
Não sabe respirar...
Pode não saber rir,
Mas nunca vai chorar

Alguém, que olhe por ele, enquanto eu não estou....
Alguém lhe conte uma história, enquanto eu não estou....
Alguém lhe faça uma festa, enquanto eu não estou...
Alguém que o embale e adormeça, enquanto eu não estou...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Sal

Se esta Vida é um mar
E cada onda é um dia,
Tu...
És a rede vazia

Se esta Vida é um mar
De maré aluada,
Tu...
És a rede furada

Se esta Vida é um mar
E a tua secou,
Tu...
Foste quem a nadou

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Nuvem 7 Bordeaux

Tu sabes sempre onde estou,
Onde me encontrar...
Debaixo da pedra, sem ar

Num casulo tão vazio,
Buraco tão só meu...
A sarjeta é o céu

E a nuvem sete bordeaux
Vai deitando sal...
Na ferida, aberta, por nós

E o peito tão vazio
De tudo o que deu...
E o teu nome é o céu...

domingo, 19 de setembro de 2010

Sombra

Há uma sombra, fria e má
Que só vem de noite quando eu não estou cá...
Vive em mim, cá bem no fundo
Guarda as chaves dos portões p'ra outro Mundo

Eu não sei como aconteceu
De silêncio tomou conta do que é meu
Eu fiquei diferente de outros
Portador de um vírus que afasta a luz...

Vem disfarçada de arrepio
Cobre-me com um sobretudo sujo e frio
Conta-me histórias de assombração
Põe-me pedras no lugar do coração

Sem pedir, encosta-se a mim
Esgota-me os sentidos quase até ao fim
Pesa mais que um dia de Inverno
Puxa-me p'ra baixo num buraco eterno...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ódio de Estimação

Estranha a luz que me alumia
Escura a força que me guia...
Quando é que vai ser o funeral?..

Não leves a mal,
Se eu não for...

É uma prova que afinal,
Não era amor,
E o que havia entre nós
Morreu contigo...

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Na Varanda do Morto

Na varanda do morto eu espero-te às vezes, à tarde
Entre os saltos das horas, sem histórias, aprendo a amar-te
Na varanda do morto não há quem me dê o bom dia
Não lá passa viv'alma e a minha, cada vez mais vazia...

Na varanda do morto um cigarro tem maços de tempo
Alimentam-se os cancros que moldam o meu pensamento
Na varanda do morto a razão já não sabe quem é
Para viver de joelhos, mas vale morrer de pé...